(Des)vantagem Feminina
Certa vez, estava conversando com um colega. Falávamos sobre machismo, e sobre o quanto ele é uma discriminação que nunca nem deveria ter existido. Em certos pontos, concordamos: naqueles mais óbvios, como a questão da igualdade salarial e a necessidade de mais mulheres ocupando espaços predominantemente masculinos.
Conforme a conversa avançou, o quanto mulheres são objetificadas e julgadas pela aparência, mesmo em situações nas quais essa característica não seria sequer levada em consideração se um homem estivesse em seu lugar, veio à tona. E, um trecho da conversa me deixou pensativa: ele disse que existiam situações em que as mulheres “tiravam vantagem” dessa realidade. Para ilustrar melhor, ele contou que, uma vez, a sala de aula dele precisou se dividir em grupos, e faltava uma pessoa para integrar o dele. Ele e os amigos não tinham certeza de quem chamar, e tinham apenas duas opções: um “cara barbudão”, ou uma menina. Eles chamaram a garota, já que a primeira opção foi considerada feia por eles, e a menina era atraente. E, por fim, ele me disse que ela tinha sorte e que tinha conseguido tirar a tal da vantagem da situação, já que o grupo deles era considerado o melhor, e por sua beleza, ela agora fazia parte desse.
Mas… vantagem onde, exatamente? Depois que ele me contou essa história, considerei a situação toda muito problemática, e que ela definitivamente deve ter se sentido desconfortável por ter três caras a escolhendo para fazer grupo com eles apenas por causa da aparência dela. Só que, mais que isso, essa história me fez pensar sobre o quanto nós, mulheres, passamos por momentos parecidos com esse incontáveis vezes nas nossas vidas.
Nós, mulheres, sempre teremos nossa credibilidade afetada pela nossa aparência. Se, naquela história que me foi contada, houvessem duas garotas, não me restam dúvidas de que a “mais bonita” entre elas seria a escolhida, não importando se a “mais feia” fosse, na realidade, a mais apta ao trabalho. No final, o que conta é a beleza exterior. Nós sempre temos que nos preocupar com a imagem que passamos e que queremos passar, porque, ao menor deslize, podemos perder todo o esforço feito previamente. E, o mais absurdo disso tudo, é que tais “deslizes” são justamente desvios do que nos é imposto, e, até hoje, não usar maquiagem em certas ocasiões é, em si, um ato de rebeldia, pois parecer “desarrumada” aos olhos da sociedade é um sinal de fraqueza. Não obstante, usar demais desse recurso também o é, pois a mulher é vista como se quisesse alcançar seus objetivos através da aparência e da “sedução”. Não entendo onde há vantagem nisso. Não entendo a interpretação de que ter que me preocupar mais com a aparência do que com o que tenho a dizer é uma “vantagem”. Contudo, vale fazer uma ressalva: existem mulheres que gostam de se maquiar e de se submeter a procedimentos estéticos, e está tudo bem. O que eu quero discutir aqui é sobre o quanto essa vontade nos é imposta, e sobre o quanto mulheres que não ligam para isso são descredibilizadas.
Inclusive, há quem diga que essa imposição da preocupação feminina com a aparência é mais um projeto de manutenção da dominação masculina na sociedade do que algo “intrínseco à natureza feminina” (essas aspas são a exaustiva justificativa oficial dada pelo patriarcado). Enquanto nós precisamos ter cautela para estarmos com a aparência sempre impecável, os homens se preocupam com “o que realmente importa”, e continuam, com seus projetos opressores e discriminatórios, nos deixando de fora dos espaços públicos. Assim, uma conclusão simples, mas verdadeira, é que mulheres precisam se provar duas vezes: primeiro, precisam provar que sua aparência é digna de nota, e, depois, precisam provar que suas ideias são ainda mais “estonteantes”. Mas, nunca podemos ser tão incríveis assim em nenhum desses “testes”, pois, mulheres que se arrumam demais estão querendo seduzir alguém, e, aquelas que sabem demais, são arrogantes. Ou seja, nossa sociedade misógina sempre encontrará um motivo para nos excluir ao máximo dela.
Na nossa realidade, ser considerada uma mulher bonita não é uma vantagem, pois tal constatação, bem como a de ser considerada feia, é apenas um dos muitos mecanismos de descredibilização das mulheres. Para sermos levadas a sério, nos arrumamos e passamos horas a frente do espelho e/ou em clínicas estéticas tentando nos encaixar em padrões propositalmente inalcançáveis. Todavia, mesmo assim, ainda serão encontrados outros motivos para sermos questionadas e para termos nossos esforços colocados em xeque. Assim, mesmo que uma mulher corresponda a todos os padrões imagináveis, ainda terá que lutar (e muito) para ser ouvida.
Em conclusão, ser uma mulher é, em si, um ato de revolução. Ser mulher é acordar todos os dias sabendo que terá que travar batalhas (pequenas ou grandes) contra o patriarcado. É saber que seus objetivos sempre serão grandes demais aos olhos daqueles que são pequenos demais para entender que todas nós somos dignas de batalharmos por nossos sonhos. É saber que o que nos é imposto como “vantagem feminina”, nada mais é do que um mecanismo de opressão.